domingo, 24 de maio de 2009

A lua e suas ações



Astro mais próximo da Terra, a Lua propicia uma experiência diária de subjetividade.
Desde o vínculo em saber que há uma casa para onde voltar (espaço orquestrado para proteção e bem-estar), a experiência lunar nos reconecta com nossa origem: barriga, quarto, pátria, planeta.
Assim, além de nos vincular com nossos sentimentos mais corriqueiros - de irritação, tédio, fome, aconchego - a Lua projeta sua sombra sobre o espaço físico e simbólico: a casa (sonhada ou possuída) revela a busca de totalidade (espécie de retorno) ao estado onde não estávamos dissociados: ventre.
(Ironicamente, esta palavra - estado - metamorfoseou-se em Estado, que pode ser entendido como uma amplificação simbólica da mesma função: no primeiro protege-se o bebê, no segundo as pessoas da mesma comunidade.
Daí entendemos o tipo de vínculo que caracteriza o signo de Cancer: a posse de imóveis e terrenos pode associar-se ao aumento do senso de pertencimento e identificação com o de onde viemos.
E nesses tempos em que vivemos? Crise na família, crise no Estado, crise emocional, crise étnica, falta/desperdício de alimentos.
O desequilíbrio emocional multiplica-se nas novas síndromes (pânico, TOC, depressão, mania) e a família desmembra-se; Escola-Igreja-Estado tornaram-se uma espécie de simulacro dos valores anteriormente neles empenhados quando de seu surgimento; o Sujeito (erigido ao princípio-fim-topo da existência) berra, qual bebê, sozinho e desvinculado.
Caos: a perda da sensação de estar vinculado a algo. Umbilicalmente consciente de si, malhado, analisado, remediado, genomado, as pessoas sentem falta de algo... Você tem fome de quê?
Cadê a tribo, as histórias em volta da fogueira (Evoé Mama África!), almoço familiar, horta, quietude, fim de tarde. Evoco Zé Rodrix, recém-partido.

Casa no campo
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais


(continua)